10 de novembro de 2025

Maculado

A minha poesia hoje é torpe
E causa enjôo em quem a ouve
Me faço repugnante
Porque não consigo viver
Tão consoante ao que desejam
Na Terra suja em que piso

Atolei-me em um charco de lodo
E todo que quer me resgatar
Suja-se

Queria ser diferente 
Disso em que me encontro
Tão fétido, tão agonizante, 
Por homens que sujam toda beleza

Beleza de que me serviria 
De inspiração para a escrita
Mas meus olhos sujos e escurecidos
Se perdem mais na sujeira
Da torpeza humana 
Que parece sem fim.

Quem dera pudesse ver
Mas sou motivo de distância
Um enxotado leproso
De uma antiga vila

Sou amaldiçoado e praguejando
Mesmo pedindo socorro
A vila continua em seu marasmo
E eu só queria um acaso
E um ocaso 
Para esse sentimento de repugnância
Em mim.

9 de outubro de 2025

A verdadeira maestria

Ele está em cima do palanque
Como se todos o ouvissem
Imperativos esbraveja
Como se fosse o maestro de uma orquestra
E tivesse em si
A certeza dos instrumentos a lhe ouvir

Mas a natureza corre em outra orquestra
De sons que avessos ao tempo dos solfejos
Faz de si a própria maestra
De pássaros, rios e riachos
E ventos em topos de altas montanhas
E mares revoltos em tempestades

Aqui ele não passa de uma anedota
As altas ondas imponentes 
Silenciariam todos seus instrumentos 
Sua orquestra soaria como toda descompassada

Pois sua música é vaidade de sentido
Ao som das ondas do mar sob o vento litorâneo
Assim, que tens em ti tolo ser humano
Que acredita guiar todos 
Como o Flautista de Hamelin?

O vento ao quebrar um galho árvore
Desdenha de sua baqueta.

30 de agosto de 2025

Tolice

Eu me pergunto se escrevo poesia. Minha vida é cheia de recaídas em algo que não sei explicar. Eu estou sempre de recaída na existência. Tudo é um convite para o fracasso. Nunca consegue-se dar o melhor de si, porque o melhor é sempre insuficiente. Espera-se tudo do ser humano em um mundo que parece uma piada mal contada. 

Então eu escrevo aqui e chamo isso de poesia, minha vã tentativa de capturar algo da vida que não pode ser contado senão por metáfora. Uma parábola da existência. Mas isso é pretensioso. Ainda que a existência pudesse ser capturada em uma parábola, que desse conta dela, não seria capturada, pois ela escaparia, como tudo escapa de nós, no tempo. Os pintores talvez capturem algo e pintam, a fotografia, mas é momentâneo e parcial. A palavra carece de potência, e na escrita de alguém é apenas uma tentativa de exorcizar um demônio estranho, um tempo descaracterizado naquele momento, naquela mente.

Quem pode ver o que está oculto nas linhas da mente do artista? Quem pode acessar o que é desconhecido para si mesmo, que se desfigura e transfigura e se perde a todo momento no fluir do rio do tempo?

21 de agosto de 2025

Apagando

Enfraquecido e angustiado
O que eu poderia dizer
Encolhido em mim
Tudo é mais poderoso que eu
O Universo
Os mares
Deus
Tentações 

Não tenho vontade de nada enfrentar
Estou na lona da vida
Atingido por um direto de direita

Minha embarcação está estraçalhada pela tempestade da vida
Não há farol, nem porto, nem estrelas...

Escreveria eu e isso me salvaria de mim?
O Messias, o Cristo de Deus, pode me salvar de mim?
Não me resta nenhuma força mais.
Sou um pavio que fumega.

Despido

Estou exposto
Que me importa estar nú
Que me importa estar envergonhado?
Que importa o vexame público
O escárnio
Se meus ombros estão caídos
E meu joelhos trôpegos?

Me aproximo de gente
Mas pareço alheio a tudo,
Toda Filosofia se desfaz
Diante de mim
Ela não aparece como a Boécio
Uma alma nobre.

Mas sou plebeu e ralé
Com pretensões a poeta, a procurar a Filosofia
Sou um tolo
E a sabedoria está a um abismo imenso de mim
Abismo que, cambaleante, pareço querer cair
E me esquecer de quem sou, fui, serei

Esquecer, nada faz esquecer
Tudo precisa existir, pensar, lembrar 
E adoecer
Abraçarei essa existência
Apesar de tudo

Nada sou,
Poeira pequena no tempo e na eternidade
E antes esse poema, essa pretensão 
Não existisse
A luz é boa
Mas meus olhos estão entenebrecidos para ela
Cego.
Miserável, cego e nú.

11 de agosto de 2025

Inquietude

Aflito sou
Angustio-me dia após dia
Mesmo o meu prazer
Me castiga

Queria eu que bons momentos
Não acabassem
Mas volto ao meu tédio
Onde minha ansiedade se banqueteia 

Queria eu que pouco me bastasse
Mas meu coração é um mar revolto
Que se inquieta e revolve-se
Em si mesmo 

Um tolo que anseia
De amor e paz viver
Mas temos nossa parte em lutas e aflições 
E de que poderíamos nos queixar.

O paroxismo da vida
Que agudiza-se mais e mais
E seu vértice aperta e ponteia
E na dor voltamos a nós mesmos

Então, anseio pela manhã
Numa noite escura e fria
E a Lua se envergonha
Pois não pertence, hoje,
A romances.

22 de julho de 2025

Possibilidade

 Olhar e procurar

Num olhar a vivacidade do amor

Não por atração apenas

Mas pela possibilidade


Possibilidade de sorrisos

E risadas, e conversas...

Sérias, talvez,

Mas procurando entender


O que o coração diz

De ti?

Poderia falar dos seus cabelos

E como vejo beleza em você


Mas como saber da alma

Sem conhece-la


E se não for o que poderia ser

Que desvaneça levemente

Como um chuva passageira de verão.

19 de julho de 2025

Lepra

 Minha solidão 

A que se deve, se busquei companhia

Se busquei amizade?

A que se deve o apartar-se se me aproximei?


Tal como leproso, estranho, esquisito

Me viram

Para que é para quem pertenço? 

Exiliram-me.


Estou triste e vejo o absurdo do mundo

A cada dia a violência vivida

E vista infligida no outro 

De quem se esperava acolhida


Assim, me afundo em mim

E me amorteço, e espero

Que minhas fracas preces sejam ouvidas

E essa chama em mim, quase apagada


Reviva, e não me sinta tão apagado

Tão distanciado

E quebrado